segunda-feira, 18 de maio de 2015

Corre Menina..

Calçam os teus pés as cores do frio, mas não pares! Continua a galgar pela estrada como se toda a cidade te perseguisse de tochas acesas. VAI! Corre que a caça às bruxas começou! Esquece o sangue que te escorre pelo tronco e te inunda o regaço como se estivesses a dar à luz! Anda, corre mais rápido que estão quase a apanhar-te! Não ligues às pedras que te cortam os dedos e se afundam na tua pele. Corre! Elimina da tua mente tudo aquilo que em ti outrora brotou, apaga os resíduos de quem és e camufla-te na paisagem de betão! Vai! Corre que as luzes ainda regam o teu corpo tornando-te um alvo fácil! Anda! Não pares!

Esquece o vestidinho rendado que a tua mama te ofereceu e o casaquinho de marca que tanto gostavas. A corrida irá desprove-los do seu real valor, transformando-os em farrapos que te salvarão a vida! Anda corre! Porque estás especada nesse muro? Corre! A tua vida não será mais que a corrida que encetas neste momento! Anda! Corre por ti! Pelo sangue que o teu coração bombeia e alimenta as tuas veias! Anda! Corre! Nada mais serás que a sombra fugaz de quem se esconde no meio das torres de betão se te especares aí! Anda! Sabes para onde tens de ir! Não pares!

Vá, estás a chegar ao destino! Só mais um pouco! Esquece o chumbo em que as tuas pernas ágeis se converteram! Acelera o passo! Rasga a mata com os antebraços e com as mãos protege a cara! Anda! Mais depressa! Os galhos rasgam-te o rosto e saboreias o sangue que te toca nos lábios! Vai! Corre! Não consegues evitar todos os golpes, é impossível! Corre! Engole os soluços, liberta as lágrimas se for caso disso, mas não abrandes! Grita em surdina para que as árvores não se assustem! Vai está quase! Corre! Larga o peso das tuas dores enquanto vais tropeçando e te levantas! Vai! Corre minha menina corre!

Enquanto corres sentes a vida a recusar a morte, terás tempo para parar quando morreres!

quinta-feira, 19 de março de 2015

Simplesmente Amor...

Guardo numa das gavetinhas da memória, a minha primeira experiência sexual. Tinha conhecido o rapaz num dos cafés ao pé do liceu. Ele era engraçadito, tinha bom ar, a simpatia era o seu ponto forte e os seus olhos verdes. Nunca soube o que ele fazia da vida, mas tinha pinta de ser um bom vivant. Aos meus olhos era um deus grego, via nele toda uma vida. Muitas vezes no escuro do meu quarto com Bon Jovi como banda sonora eu pensava nele e inevitavelmente tocava-me imaginando-o a meu lado. Tinha fantasias sexuais com ele e histórias de conto de fadas, em que projectava ilusões e divertia-me a imaginar a nossa vida dali a 10 anos. Sonhos de criança, é o que posso dizer. Desconhecia totalmente a vida real, o amor para mim era como nos filmes que costumava ver às quartas ao final do dia. Durante todo o ano lectivo andei na sua sombra, aproveitando cada pedaço que sobrava do sorriso dele. Até que um dia, tal como nos filmes, ele cruzou o seu olhar com o meu… e eu corei. 
Sempre vi as coisas como sendo algo natural. Meti na minha cabeça que aquele olhar tinha significado alguma coisa, tinha de ter tido alguma mensagem que eu desesperadamente queria que fosse a que eu ansiava. Um dia, depois de um jogo de futebol, no qual ele sempre era a estrela e eu o olhava completamente alienado, ele veio ter comigo. Discretamente entregou-me um papel dobrado em quatro. Não trocamos uma palavra, nem foi preciso. Li no seu olhar que ele me queria. Tão depressa se dirigiu a mim como foi embora. Fiquei  petrificado, sentindo o calor que a mão dele deixou no meu braço a desvanecer. Um formigueiro invadia veloz a minha mente e o meu corpo. Sentia a excitação a inebriar-me os sentidos. Apertei com força o bilhete para ter a certeza que era real.  Em modo automático fui caminhando pelas ruas até à paragem de autocarro. Sentei-me no ultimo banco e desdobrei o papel com cuidado com medo de o rasgar e perder a preciosa mensagem.
Li a primeira vez e senti o sangue a bombar com a intensidade de um trovão dentro do meu corpo. Li a segunda vez muito devagarinho como os meninos da primaria, juntando as palavras para lhes sentir o sabor. Queria encontrar-se comigo, naquela noite depois de jantar junto ao chafariz da praça.

Nessa noite, comi pouco, consegui mastigar dois bocados de carne e umas garfadas de arroz. O nervoso miudinho corroía-me o estômago e apertava-me a garganta e não me deixando engolir. Nunca me tinha sentido assim. Cobarde e corajoso. A minha mãe estranhou a minha falta de apetite e ponderou que eu estivesse enfermo. Doce mãe a minha, sempre preocupada com o meu bem estar. Ainda o relógio de cuco da sala não batia as oito horas já eu rasgava o silencio da noite em direcção ao chafariz. Quando lá cheguei sussurrei o seu nome...e disse numa voz um pouco mais alta: sou eu o Diniz!