a vida passou depressa. os filhos cresceram, vieram os netos, os bisnetos.. já fui vadio como o vento dedilhando com notas sentidas as emoçoes que a vida me ofereceu cantando em fado garrido as magoas que por mim passaram. estou cansado, mas nao morto. amei mil e uma mulheres, comi o pó de muitas estradas na minha febre de liberdade e fome de viver. ainda me lembro das viagens montado nos meus velhos sapatos herdados de um irmão mais velho, que entretando crescera, mas estimados como se fossem novos. a vida era dura, davamos valor a pequenas conquistas e estimavamos o que nos era querido. com uns tostões no bolso sentia-me o rei do mundo. o senhor das minhas cantilegas que o vento bradava aos céus. era feliz. num tempo em que os homens estavam confinados ao trabalho calejado da vida no campo. tantas vezes me fiz à estrada com uma misera codea de pao e uma garrafa de tinto da adega de meu pai. deambulei de baile em baile, sorrindo e conquistando meninas de bons costumes guardadas por mães beatas. e um dia apareceu ela. airosa, de pele queimada pelo sol e maos gretadas do manejar coreografado das facas da cozinha, da agulha e da enxada. a inocencia e a simplicidade dos seus modos raptaram-me o coração. encontrei nela o ninho que necessitava para parar as incessantes caminhadas pelas terras de ninguem. substituí as cordas roliças da minha até entao mulher e companheira de alegrias e tristezas, a viola, que comprei com as tostoezecos que ia ganhando nos pequenos biscates que fazia ao sapateiro lá da sitio que me viu nascer. retornei ao oficio para sustentar esta nova vida.. nao me arrependo... estou na planicie da vida, nada mais posso fazer que abraçar todos os dias a sorte de ter vivido e criado uma familia ao lado da minha esposa, tendo sempre como amante das horas vagas a minha eterna viola e muitas aventuras para contar..
foto de Tiago Ribeiro : The Shoemaker
2 comentários:
Gosto de toda essa densidade.
uma vida, como muitas outras...
gostei.
abraço do vale a caminho da planicie.
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