O sol entra gradualmente no quarto coordenado com
os ponteiros do relógio, veio avisar-me que ainda estou viva. Faz hoje 6 meses
que me encontro aqui, num lugar que não me viu nascer, mas que neste momento me
faz sentir em casa. Esta foi mais uma noite mal dormida, em que as recordações
do meu passado assaltaram-me a mente só para me lembrar que a penitência ainda
agora começou.
Tenho saudades da minha mãe. Dos tempos em que me
embalava no seu colo e eu conseguia absorver o seu odor que tanto me reconfortava.
Era o cheiro da protecção, hoje já não retenho na memória essa sensação nem
esse aroma, esqueci-me dele no meio das pedras que encontrei ao longo do meu
caminho. Em criança, gostava de correr pelos caminhos da vila quando o sol se
começava a ir deitar. O brilho do basalto ao sol lembrava diamantes negros.
Nasci e cresci numa vila pequena, onde toda a gente se conhece e tem algum laço
sanguíneo que os une nem que seja em centésimo grau. Sempre que penso nos
caminhos da vila, lembro-me de que a rua era o meu refugio, tal como o guarda-fatos
do meu pequeno quarto. Visitava com frequência estes locais para me abstrair
dos gritos, do cheiro a álcool e da porrada seca que o meu pai descarregava na
minha mãe nos dias em que a sueca corria mal, mas o vinho lhe descia bem pela garganta.
A minha mãe lá aguentava, em silêncio resignava-se com a sua sorte, na rua
comportava-se como uma mulher feliz e bem casada. Claro que não enganava
ninguém, toda a gente sabia que em que dias é que a sinfonia de gritos de dor
actuava em minha casa. Toda a gente sabia, ninguém fazia nada. Na escola, tinha
inveja das outras crianças. Os pais pareciam ser devotos a elas ou pelo menos
era isso que eu via. Muitas vezes em sonhos interrompidos pela sinfonia
agoniante lhe desejei a morte e que deixasse a minha mãe em paz. Mas só o conseguia
desejar por breves momentos, para logo sentir o arrependimento a abalar a
convicção dos meus pensamentos.
Pouco depois de ter feito 8 anos de idade, fui
morar com os meus avós maternos e com os meus tios, duas ruas abaixo da minha. A
situação familiar não atravessava os seus melhores dias, as dívidas acumulavam-se,
as discussões eram cada vez mais frequentes, porém nunca faltou comida na mesa,
pois os meus avós iam ajudando a minha mãe a governar a casa. A minha mãe era
uma escrava da vida, saía para trabalhar mal o sol nascia e ainda levava umas
camisas das patroas para coser sentada ao pé do lume depois de jantar. Um ano
depois, rumou para a França como tantos outros portugueses e eu fiquei na
pequena vila, à guarda da minha avó.
Tenho boas recordações deste tempo, costumo lembra-lo como a era dourada da minha vida. A casa estava sempre animada, os jantares eram em família, aos fins-de-semana e quando não tínhamos aulas de tarde íamos todos juntos para a vinha ou para a horta. A minha avó era rígida, educação à moda antiga, devota a São Francisco já o meu avô era mais liberal. Contava-me histórias da sua juventude, das tropelias que fazia e das dificuldades que passou em criança. Era um homem do mundo. Já o meu pai, via-o no café da esquina sempre sem sede e de copo vazio, durante muito tempo não ouvi a voz nem senti o olhar dele.
Tenho boas recordações deste tempo, costumo lembra-lo como a era dourada da minha vida. A casa estava sempre animada, os jantares eram em família, aos fins-de-semana e quando não tínhamos aulas de tarde íamos todos juntos para a vinha ou para a horta. A minha avó era rígida, educação à moda antiga, devota a São Francisco já o meu avô era mais liberal. Contava-me histórias da sua juventude, das tropelias que fazia e das dificuldades que passou em criança. Era um homem do mundo. Já o meu pai, via-o no café da esquina sempre sem sede e de copo vazio, durante muito tempo não ouvi a voz nem senti o olhar dele.
No verão em que fiz doze anos a minha mãe
divorciou-se do meu pai e encontrou a paz ao lado de um homem que a estima, aos
catorze o meu irmão nasceu.
A vida corria normalmente, como seria de esperar
num meio pequeno até que ao entrar na adolescência comecei a sentir asfixia. As
constantes viagens nas férias para o estrangeiro e os impulsos de rebeldia que
emanavam das grandes cidades como Paris começavam a despertar em mim a
necessidade de descobrir. Quando regressava à pequena vila sentia-me oprimida
pelas pessoas que me rodeavam. O espaço parecia-me pequeno, não tinha
alternativas ociosas ou culturais que me cativassem. Eu não compreendia a
diferença de mentalidades e as pessoas não entendiam as minhas escolhas, o que
contribuía para o meu mal-estar. Sentia-me atacada por tudo e por todos, a
minha revolta e necessidade de aceitação transformaram-me num ser rebelde. Sempre
fui teimosa, bastante, sempre que me diziam: não vás por aí, eu ia… O meu grupo
de amigos era mais velho, os maus rapazes e más raparigas reuniam-se aos fins de
tarde numa casa abandonada. Tinham feito um “gato” no poste público que ficava
coladinho à janela do quarto do andar de cima. Ouvia-se rock, música
electrónica, fumavam-se uns charros e bebiam-se umas cervejas. De vez em quando
alguém levava os restos do jantar ou íamos à padaria que ficava na saída da
vila comprar um pão acabadinho de sair do forno que devorávamos a ver o nascer
do sol.
Experimentei ganza pela primeira vez aos quinze anos. Não sei se por curiosidade ou para me afirmar. Lembro-me que estávamos sentados num dos miradouros da vila, era início de primavera. A vila nesta altura cheira a flores de tília, o céu nocturno repleto de estrelas cobre as casas e mergulha nos montes. Já não me recordo a quem pertencia o rosto cujas mãos me rodou o charro, peguei nele e hesitei, eles estavam todos eufóricos a tentar queimar as asas a uma formiga, completamente sorridentes. Eu queria um sorriso, bem, não era o sorriso, mas sim a felicidade que lhe associamos. Levei o charro aos lábios e puxei o fumo. Não estava a contar com aquele sabor forte a picar-me na garganta e explodi num ataque de tosse desenfreado. Após o gozo da praxe, por não saber fumar e duns quantos ensinamentos dos peritos lá consegui fumar correctamente. As primeiras passas entraram-me directamente para o cérebro num formigueiro que partiu dos pulmões em velocidade de cruzeiro. O ritmo cardíaco disparou, os suores frios começaram a percorrer-me o corpo. Uma sensação de paz e bem-estar inundou-me. Tinha encontrado um escape.
Experimentei ganza pela primeira vez aos quinze anos. Não sei se por curiosidade ou para me afirmar. Lembro-me que estávamos sentados num dos miradouros da vila, era início de primavera. A vila nesta altura cheira a flores de tília, o céu nocturno repleto de estrelas cobre as casas e mergulha nos montes. Já não me recordo a quem pertencia o rosto cujas mãos me rodou o charro, peguei nele e hesitei, eles estavam todos eufóricos a tentar queimar as asas a uma formiga, completamente sorridentes. Eu queria um sorriso, bem, não era o sorriso, mas sim a felicidade que lhe associamos. Levei o charro aos lábios e puxei o fumo. Não estava a contar com aquele sabor forte a picar-me na garganta e explodi num ataque de tosse desenfreado. Após o gozo da praxe, por não saber fumar e duns quantos ensinamentos dos peritos lá consegui fumar correctamente. As primeiras passas entraram-me directamente para o cérebro num formigueiro que partiu dos pulmões em velocidade de cruzeiro. O ritmo cardíaco disparou, os suores frios começaram a percorrer-me o corpo. Uma sensação de paz e bem-estar inundou-me. Tinha encontrado um escape.
Nessa altura, completamente farta e na revolta
inconsciente de ser adolescente optei por deixar de estudar. Estava na hora de
ir de encontro ao mundo. Mudei-me para França, fui morar com a minha mãe
deixando no ar a promessa de não regressar.
Por muito que na minha mente eu tivesse tudo
controlado, as coisas não iriam acontecer como eu tinha planeado. Na minha
inexperiência de vida, tudo seria um mar de rosas. Neste ponto estava a
confundir rebeldia com razão, agia consoante o pulsar do coração e não queria
ouvir as vozes que gritavam para não ir por ali, mas eu fui…
Sempre fui teimosa, bastante, sempre que me
diziam: não vás por aí, eu ia…
Durante os primeiros meses, o convívio com a minha
mãe foi pacífico, estávamos a procurar trabalho para mim numa das "madames" dela,
o meu irmão deliciava-me e o meu padrasto respeitava-me e acima de tudo, não
bebia.
A imagem que a minha mãe tinha da filha não
correspondia à rapariga que vivia debaixo do seu tecto nem a dela, que era a
sombra da mulher silenciosa e sofredora que eu me lembrava e eu na sua memória
era a menina que corria descalça nas ruas.
Apaixonei-me perdidamente aos 16, encontrava-me a
trabalhar numa padaria dum amigo da minha mãe. Já saía à noite e estava a
pensar em ter o meu espaço, pois as discussões com a minha mãe começavam a ser
frequentes.
A perda da virgindade, não me tocou como seria
suposto. Toda a ideia de romance, borboletas e fadinhas não aconteceu. Foi algo
que naturalmente iria acontecer naquele contexto. Ele era mais velho, tinha experiência
de vida e isso atraiu-me. Não senti prazer, desconhecia a palavra orgasmo.
Durante o tempo da relação e mesmo depois disso estive conformada que o sexo
era assim. Sem prazer. Quatro anos depois e de muitas historias pelo meio é que
soube o que era . Pensamentos da treta já são horas de levantar…para mais um dia na prisão.