Calçam os teus pés as cores do frio, mas não pares! Continua
a galgar pela estrada como se toda a cidade te perseguisse de tochas acesas.
VAI! Corre que a caça às bruxas começou! Esquece o sangue que te escorre pelo
tronco e te inunda o regaço como se estivesses a dar à luz! Anda, corre mais
rápido que estão quase a apanhar-te! Não ligues às pedras que te cortam os
dedos e se afundam na tua pele. Corre! Elimina da tua mente tudo aquilo que em
ti outrora brotou, apaga os resíduos de quem és e camufla-te na paisagem de
betão! Vai! Corre que as luzes ainda regam o teu corpo tornando-te um alvo
fácil! Anda! Não pares!
Esquece o vestidinho rendado que a tua mama te ofereceu e o
casaquinho de marca que tanto gostavas. A corrida irá desprove-los do seu real
valor, transformando-os em farrapos que te salvarão a vida! Anda corre! Porque
estás especada nesse muro? Corre! A tua vida não será mais que a corrida que
encetas neste momento! Anda! Corre por ti! Pelo sangue que o teu coração
bombeia e alimenta as tuas veias! Anda! Corre! Nada mais serás que a sombra
fugaz de quem se esconde no meio das torres de betão se te especares aí! Anda! Sabes para onde
tens de ir! Não pares!
Vá, estás a chegar ao destino! Só mais um pouco! Esquece o
chumbo em que as tuas pernas ágeis se converteram! Acelera o passo! Rasga a
mata com os antebraços e com as mãos protege a cara! Anda! Mais depressa! Os
galhos rasgam-te o rosto e saboreias o sangue que te toca nos lábios! Vai! Corre!
Não consegues evitar todos os golpes, é impossível! Corre! Engole os soluços, liberta as lágrimas se for caso disso, mas não abrandes! Grita em surdina para que as árvores não se assustem! Vai está quase! Corre! Larga o peso das tuas dores enquanto vais tropeçando e te levantas! Vai! Corre minha menina corre!
Enquanto corres sentes a vida a recusar a morte, terás tempo para parar quando morreres!
Enquanto corres sentes a vida a recusar a morte, terás tempo para parar quando morreres!