domingo, 29 de novembro de 2009

Teu tempo... teu ser em teu corpo suado

 Na penumbra do quarto o seu corpo alvo reflectia sobre o espelho posicionado ao fundo da cama. O calor da noite e as angustias sufocavam-na... o pijama já havia voado num gesto arrebatado de desespero.. focou o seu olhar no espelho... sentia-se inesperadamente bela... o cabelo negro caindo-lhe sobre a face e o rosado subtil da boca carnuda davam-lhe um ar de menina... os seus olhos enegrecidos pelo lusco-fusco do quarto conferiam-lhe uma sensualidade subtil... mirou-se profundamente... o lençol cobria-lhe tenuemente o corpo... uma sensação de diva preencheu-lhe o ego.. . o relógio batia as horas que nem se deu ao trabalho de contar...


                       .....para quê contar o tempo se ele não pára?...
enroscou o seu corpo no lençol como se de uma peça de seda se tratasse...imaginou o contacto que a seda provocaria na sua pele... um arrepio suave percorre todos os milímetros do seu corpo... aproxima-se da janela com a elegância de um felino... abre as cortinas e observa o mundo lá fora... as luzes dos carros apressados em ir para algum lugar destacam-se na estrada estreita... “hoje não quero estar só”..pensa ela... pega no telemóvel e hesita... manda ou não manda?

    ... manda...
   começa a deambular pelo quarto com pequenos passos nervosos... limpa repetidamente as mãos ao lençol... suores frios... mãos tremulas.... será que vai responder? E continua a angustia silenciosa ao som do barulho dos carros que continuam no seu rumo...

    .....respondeu...
   um sorriso brota-lhe dos lábios como uma flor no seu auge de beleza...  não tarda deixará de estar só... um cheiro suave a canela invade o quarto.. umas gotas de perfume no pescoço serão o seu adereço invisível... ouve-se um  leve bater na porta...

 .....chegou....
olha-se rapidamente ao espelho num ultimo alento... abre suavemente a barreira que a separa daquilo que busca... procura rapidamente os olhos da visita... encontra neles aquilo que deseja...a necessidade de amar alguém sem rosto...  
...sorri matreiramente...
do outro lado recebe a mesma resposta... um abraço apertado serve de cumprimento caloroso e cúmplice... aproxima sensualmente seu corpo ávido de liberdade... sem pressa caiem na cama... inexplicavelmente estreita...  em gestos circula as mãos vadias...., subtil e firme segura os seus gritos, na boca ávida trémula quente... as gotas de suor misturam-se com o perfume... um cheiro  de devaneio e êxtase preenche o quarto.... adormece sentindo o calor de outrem abraçado ao seu corpo esguio... um sorriso denuncia-se nos seus lábios agora tingidos de vermelho vivo...






(agradeço o titulo ao caro amigo duartenovale.blogspot.com)

sábado, 28 de novembro de 2009

A ninfa...



Um segundo e ele rendeu-se... a magnitude do que via não tinha oponente...  aqueles olhos... verdes que se fundiam com os prados... aquele olhar inocente... puro, pregado ao seu como o de uma corça que avalia o caçador... murmúrios praticamente inaudíveis saiam dos seus lábios...  estava assombrado.. aquela ninfa silvestre estava mesmo á sua frente... tão indefesa... tão deliciosa... os seus instintos primários despertaram com uma fúria avassaladora.. o vento trouxe consigo o aroma hipnotizante da amendoeira em flor do perfume dela... inspirou cada lufada como se fosse a ultima sedento.... na sua mente imagens de consumação carnal sucediam-se á  velocidade da luz... não se conteve... agarrou-a com a delicadeza duma flor...  ela tenta recuar... o sentimento de recusa e frustração caem-lhe no ego como a lua sobre a terra... a raiva começa a fervilhar debaixo da sua pele... não aguenta...não quer aguentar... beija-a com violência como se quisesse aniquilar tudo aquilo que ela lhe provoca... sente o sabor a sangue... quente... delicia-se... num só gesto rasga-lhe o vestido e dá rédea solta ao seu libido... frio e absorto no seu belo prazer ignorando os gritos que ecoam pela pradaria... gritos de quem viu a sua inocência morta....  levanta-se de um salto não se reconhecendo como realizador daquele filme de terror... corre aos tropeções pelos campos gemendo e chorando o seu acto num vale de lágrimas tingido de negro... num grito incontido encomenda a sua alma ao demo... uma gota de sangue mancha o verde prado.. e mais uma... outra ainda.... uma corrente de gotinhas vai caindo...  a ninfa solta gargalhadas histéricas pelo vale.... o sangue escorrega pela sua face... os seus olhos brilham de satisfação... a sua honra foi vingada.....

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Sinfonia


O rio corre sereno e cintilante cantando uma melodia calma e anestesiante que entra nos meus ouvidos docemente... ao longe e ao mesmo tempo tão perto um rouxinol entoa uma canção especialmente composta para este momento... a humidade da erva arrefece-me o esqueleto estendido na margem de nenhures... uma brisa terna agita os eucaliptos libertando o seu aroma aos céus... levanta carinhosamente o meu cabelo revolto que acaricia a face que ofereci ao vento... mistura mágica de sentidos e aromas ... cerro os olhos... tento assimilar tudo o que me rodeia.... os cheiros, as sensações, a inebriante valsa que a natureza escreveu sem notar que eu estava ali... abro os olhos e vejo o branco das nuvens a rasgar o azul celeste...traços sublimes de algum pintor embriagado... sorrio...

O som

escondo a cabeça incessantemente contra a almofada já deformada de tantas outras noites assim... este som entranha-se na minha mente, com um ritmo sistemático de inexistência que me tortura! vozes que mais ninguém ouve sussurram-me pensamentos incessantes, cavalgo nas ondas intempestivas que elas criam com o seu murmúrio, viajo num turbilhão de palavras soltas, frases sem sentido algum, rostos esbatidos.... o remoinho vai crescendo... tento em vão travar esta força invisível... aperto o meu corpo o mais que a minha pequena carcaça permite, comprimo todos os músculos num esgar de raiva e dor....NÃO CONSIGO PARAR DE PENSAR... rebolo sobre mim mesma e... nada.... maldito sono que teima em não vir, onde esta o Vitinho da minha infância que me embalava e transportava para o mundo da fantasia? Devo te-lo guardado na arca da inocência... Respiro fundo...o ar abafado do quarto entra lentamente nos meus pulmões... sinto o cérebro a latejar...suavemente vou libertando pequenas quantidades de ar estranhamente doce... o som mudo continua.... tem o estranho poder de me intoxicar... FODA-SE não aguento mais... pequenos flashes de imagens e frases tentam dominar a minha mente... a culpa é do maldito som de nada que invade as paredes nuas deste quarto outrora habitado por risos cúmplices e suspiros ofegantes!! debato-me violentamente contra mim mesma até as primeiras luzes da manha iluminarem esta gruta obscura através das persianas corridas... colo o olhar no dançar dos pequenos pontos projectados na alva parede, tão pequenos bailando ao ritmo da brisa matinal e adormeço mais uma vez coberta pelo silêncio...

Texto reeditado para a Fábrica de Letras para o desafio subordinado ao  tema Silêncio

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

...


Um dia...

.... farei tantas coisas que não poderei recordar a totalidade delas....
... serei tão forte que aguentarei tempestades de sorriso aberto...
...conseguirei chorar todas as penas do meu ser....
...largarei a saudade que trago amarrada ao peito....
.....verei o mundo raiar no auge de todas as suas cores....

... levarei na alma tudo aquilo que não poderá jamais ser dito...
... deixarei de ser quem sou....

.....serei a senhora do tempo...
.....esquecerei o todo que em mim brotou....

Chuva...

que arrepio é este?esta a cair chuva... hoje é quente e ao mesmo tempo gelada...  sinto gotas a escorrer pela face... uma passeia pelos meus lábios.. com a ponta da língua saboreio-a... é salgada.... sinto o sabor percorrer os meus sentidos.. e caio em recordações... lembranças de outrora... em que o mar era a testemunha que se fundia em mim... no meu baptismo de pecado... oh esse pecado... com sabor a sal e cheiro a areia... onde corpos sedentos se entregaram fruto da fome... a fome do devaneio... da loucura... da mais pura das sensações... as peles arrepiando-se mutuamente a cada toque...o toque suave que não tem pressa.... de quem tem todo o tempo do mundo e mesmo assim não chega.... ergo a cabeça para o céu e deixo as gotas caírem livremente sobre mim... abrando o passo... e solto as rédeas dos pensamentos oprimidos... por momentos consigo sentir o arrepio de novo.... desta vez mais profundo.... intenso.... mais puro.... caminho sem pressa pelas ruas nesta noite escura... observo quem não quer ser observado... tento ouvir os passos de vagabundos que tal como eu perderam o sono a esta hora tardia... e vagueiam... sem destino... debaixo da mesma chuva...